Já acreditei em
muitas mentiras, mas há uma que eu nunca fui vítima: aquela da inocência da
alma. Desde bastante jovem eu já me sentia responsável pelos meus mais simples
atos. Não lembro de ter feito nada sem querer, no máximo achava que estava
certo. Já fui rebelde com meus avós, pais, irmãos, amigos e professores, mas no fundo minha
rebeldia se dava por eu saber que eles jamais revidariam às minhas agressões
com força total. Sabemos, por exemplo, que dentro de um círculo de afeição as
brigas são na realidade um teatrinho no qual um luta para vencer e o outro para
ajudá-lo a vencer. Lembro de minhas repetidas vitórias sobre meu avô nos jogos
de damas, por exemplo. Hoje sei o motivo de eu ganhar todas...
Muito diferente do
que se dá quando saímos da área de conforto que representa a casa de nossos
pais, um passo nos separa da segurança para a zona de desprezo e hostilidade
onde a ordem é obedecer para não sucumbir. Todo o ganho deste ponto em diante
virá acompanhado de alguma forma de perda. O dinheiro virá em troca de suor e
até a alegria de alguma forma de dor. E o pior é que isto se dará sem a
mediação daqueles de casa que nos dão sempre o direito a descontos e perdões. O
mundo se queixa da violência, mas violenta a todos que ousam aventurar fora das
saias da mãe. Como as criticadas e temidas gangues de delinqüentes o mundo
recebe os recém-saídos de casa com toda a crueldade sobre a fragilidade do
recém-chegado, impondo-lhe provações e exigências antes de aceitá-lo como
membro. Não sem antes infectá-los com alguma forma de mal.
Lembro de todos os rituais
e provações que o mundo me impôs. Quantas humilhações me submeti para poder
fazer parte deste mundo e fugir da rejeição e do isolamento para não ser
devolvido, impotente e humilhado, aos braços de meus avós. Para que isto não
aconteça com todos os jovens ele tem de ter a capacidade de amoldar-se aos
caprichos da maioria que se dá infelizmente à custa da perda de sua
personalidade. Se dói? Não, não dói. Ao contrário, nos submetemos a isso com
prazer. Naquele instante é uma vitória e a dor só virá no futuro um pouco
distante, na meia-idade, quando nos damos conta de que aquele ingresso custou
caro.
E se não formos aceito no grupo? Ai Freud nos faz retornar
ao útero e buscar lá o bode expiatório de todas as coisas. Numa cruel inversão,
a culpa de suas humilhações não será atribuída àqueles que se recusam a
aceitá-lo como homem, mas àqueles que o aceitam como criança. A família, que
tudo lhe deu, pagará pelas maldades e exigências do mundo.
Eis a que se
resume a famosa rebeldia do adolescente: amor ao mais forte que o despreza,
desprezo pelo mais fraco que o ama!
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