domingo, 6 de julho de 2014

Tão jovens!

  Já acreditei em muitas mentiras, mas há uma que eu nunca fui vítima: aquela da inocência da alma. Desde bastante jovem eu já me sentia responsável pelos meus mais simples atos. Não lembro de ter feito nada sem querer, no máximo achava que estava certo. Já fui rebelde com meus avós, pais, irmãos, amigos e professores, mas no fundo minha rebeldia se dava por eu saber que eles jamais revidariam às minhas agressões com força total. Sabemos, por exemplo, que dentro de um círculo de afeição as brigas são na realidade um teatrinho no qual um luta para vencer e o outro para ajudá-lo a vencer. Lembro de minhas repetidas vitórias sobre meu avô nos jogos de damas, por exemplo. Hoje sei o motivo de eu ganhar todas...
  Muito diferente do que se dá quando saímos da área de conforto que representa a casa de nossos pais, um passo nos separa da segurança para a zona de desprezo e hostilidade onde a ordem é obedecer para não sucumbir. Todo o ganho deste ponto em diante virá acompanhado de alguma forma de perda. O dinheiro virá em troca de suor e até a alegria de alguma forma de dor. E o pior é que isto se dará sem a mediação daqueles de casa que nos dão sempre o direito a descontos e perdões. O mundo se queixa da violência, mas violenta a todos que ousam aventurar fora das saias da mãe. Como as criticadas e temidas gangues de delinqüentes o mundo recebe os recém-saídos de casa com toda a crueldade sobre a fragilidade do recém-chegado, impondo-lhe provações e exigências antes de aceitá-lo como membro. Não sem antes infectá-los com alguma forma de mal.
  Lembro de todos os rituais e provações que o mundo me impôs. Quantas humilhações me submeti para poder fazer parte deste mundo e fugir da rejeição e do isolamento para não ser devolvido, impotente e humilhado, aos braços de meus avós. Para que isto não aconteça com todos os jovens ele tem de ter a capacidade de amoldar-se aos caprichos da maioria que se dá infelizmente à custa da perda de sua personalidade. Se dói? Não, não dói. Ao contrário, nos submetemos a isso com prazer. Naquele instante é uma vitória e a dor só virá no futuro um pouco distante, na meia-idade, quando nos damos conta de que aquele ingresso custou caro.
E se não formos aceito no grupo? Ai Freud nos faz retornar ao útero e buscar lá o bode expiatório de todas as coisas. Numa cruel inversão, a culpa de suas humilhações não será atribuída àqueles que se recusam a aceitá-lo como homem, mas àqueles que o aceitam como criança. A família, que tudo lhe deu, pagará pelas maldades e exigências do mundo.
        Eis a que se resume a famosa rebeldia do adolescente: amor ao mais forte que o despreza, desprezo pelo mais fraco que o ama!

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